Artigo

Potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) e eletrococleografia (ECoG) na avaliação da audição em crianças e no diagnóstico neuroaudiológico

Auditory brainstem evoked potentials and electrocochleography in the hearing evaluation of children and in the neurologic

Unitermos: perda auditiva, audiologia, potencial evocado auditivo do tronco encefálico, eletrococleografia.

Unterms: hearing loss, audiology, auditory brainstem evoked potentials, electrocochleography.

Resumo

Os autores fazem uma revisão sobre o histórico, as indicações e a interpretação dos resultados dos exames PEATE e EcoG, utilizados em doenças auditivas e neurológicas.

 

Pedro Luís CóserMaria José CóserReinaldo Fernando Cóser Neto
   

Introdução

A eletrococleografia (ECoG) já é feita no Brasil, desde 1973, pelos pioneiros Ossamu Butugan(1) e Yotaka Fukuda. O exame do potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) começou a ser feito no Brasil em 1975, sendo o pioneiro nesta técnica Orozimbo Alves Costa(2). Em 1978 os primeiros autores deste trabalho iniciaram estudos com ECoG e PEATE(3).

Durante muitos anos estes exames foram realizados apenas em alguns serviços nas capitais do centro-sul do país. Nos últimos anos passaram a ser realizados em inúmeros locais espalhados por todo o Brasil, em especial o PEATE, principalmente pelo custo dos equipamentos ter diminuído consideravelmente em função do câmbio favorável e pelo surgimento de equipamento concebido e construído aqui no Brasil.

As indicações e principalmente a interpretação dos resultados dos exames merecem uma revisão em decorrência de novas metodologias de obtenção dos potenciais evocados, da descoberta de novas patologias da audição, da realização destes exames em idades cada vez menores.

Conceitos básicos

Obtenção das atividades bioelétricas geradas na cóclea, nervo coclear e áreas do tronco encefálico
As atividades bioelétricas geradas nestes locais ocorrem ao mesmo tempo em que muitas outras relacionadas com outros processos vitais. Para a sua obtenção é necessário separar as atividades de interesse das demais.
Para captar uma atividade bioelétrica são necessários três eletrodos: um chamado de ativo (ou positivo), outro chamado de referência (ou negativo) e um terceiro chamado de terra (ou neutro). A colocação destes eletrodos é determinada por convenção.

O eletrodo ativo na ECoG costuma ser o eletrodo colocado próximo à cóclea da orelha que recebe o estímulo sonoro (no conduto auditivo externo, encostado à membrana timpânica ou encostado ao promontório de forma transtimpânica). No PEATE ele é colocado no vertex ou na linha média da parte alta da testa.

O eletrodo de referência na ECoG pode ser colocado na mastóide contralateral à orelha que recebe o estímulo sonoro, na mastóide ipsilateral ou no vertex no PEATE ele é colocado sempre na mastóide ipsilateral à orelha que recebe o estímulo sonoro quando o exame é feito com apenas um canal de registro. No caso de se empregar um segundo canal de registro, o segundo eletrodo de referência é colocado na mastóide contralateral à orelha que recebe o estímulo sonoro.

Em lugar da mastóide, o eletrodo de referência pode ser colocado no lóbulo da orelha em que a atividade da musculatura retroauricular produziria menos artefatos elétricos.
O eletrodo terra, tanto no PEATE como na ECoG, pode ser colocado em qualquer um dos locais anteriormente mencionados com exceção do local onde costuma ficar o eletrodo ativo da ECoG.

A atividade elétrica captada pelos eletrodos é amplificada, filtrada e somada algebricamente. A atividade que não interessa é chamada de ruído (elétrico) e a que interessa é chamada de sinal. Quanto maior for a relação sinal/ruído, melhor identificadas serão as atividades bioelétricas de interesse.

Muitos são os fatores que tendem a diminuir a relação sinal/ruído:

1) Aterramento inadequado do equipamento
2) Eletrodos de má qualidade ou defeituosos
3) Impedância da pele elevada pela falta de um preparo adequado da mesma e/ou pelo uso de pasta eletrolítica de má qualidade
4) Estado de vigília de alerta com menor relaxamento muscular do paciente
5) Menor intensidade do estímulo acústico
6) Estímulo acústico com espectro contendo freqüências mais graves que as do clique
7) Número de estímulos empregados menor que o ideal
8) Taxa de repetição da estimulação acústica mais rápida que a ideal.

O controle destes fatores é fundamental para a adequada interpretação dos resultados do exame que é considerado objetivo no sentido em que o paciente não participa ativamente de sua realização (o exame pode ser feito em indivíduos adormecidos, anestesiados e até mesmo é coma). O exame, porém, é totalmente subjetivo na sua interpretação, pois cabe ao examinador determinar qual pico é a onda I, III ou V, se alguma delas está ausente, onde está o MC, o PA e o SP.

Tipos de estímulos acústicos empregados na ECoG e PEATE
O estímulo mais usado é clique de 100 microssegundos de duração. Seu espectro de freqüência é amplo.

O clique estimula quase toda a cóclea nas intensidades de 80 dBNA ou mais. Provoca uma resposta síncrona, ampla e relativamente fácil de diferenciar do ruído elétrico de fundo em condições normais de exame. Esta resposta é dominada pelo componente agudo da resposta que produz um pico mais definido e de maior amplitude que os componentes vindos de regiões mais graves. No limiar da resposta o clique corresponde à área entre 2.000 e 4.000 Hz do audiograma tonal.

É o estimulo que tem seus valores de normalidade amplamente difundidos na literatura. Praticamente toda a análise qualitativa do PEATE e da ECoG é baseada em respostas ao clique de 80 dBNA.

Os tone bursts curtos (com três a cinco ciclos de duração) nas freqüências de 2.000, 1.000 e, até mesmo, 500 Hz são conhecidos há muitos anos, mas apenas recentemente tem sido mais amplamente aplicados na avaliação clínica.

Seu uso mais freqüente tem sido para determinar como a cóclea está respondendo nas regiões um pouco mais graves que aquelas avaliadas pelo clique na estimativa de limiares auditivos em crianças com suspeita de perda auditiva. Acrescenta esta informação nos casos em que a resposta ao clique está presente com limar elevado e, principalmente, naquelas em que a reposta ao clique está ausente.

No diagnóstico neuroaudiológico a informação do intervalo V-V em resposta aos tone bursts pode substituir as respostas ao clique naqueles casos de perda auditiva em rampa acentuada que pode atrasar a onda V ou não permitir a sua detecção por patologia coclear e não retrococlear.

Os valores de normalidade para estes estímulos não são tão universais quanto os do clique paracada serviço que utiliza tone bursts de duração e envelopes (forma do estímulo em relação o seu período de ascensão, duração e queda de intensidade) diferentes entre si.

Os potenciais auditivos evocados por estes dois métodos de avaliação eletrofisiológica da audição são o microfonismo coclear (MC), o potencial de somação (PS), potencial de ação composto do nervo coclear (onda I), onda III, onda V e vale negativo após a onda V.

Figura 1 – ECoG em resposta ao clique de 80 dBNA em um indivíduo com audição normal: o traço A corresponde a resposta ao clique de compressão, o B ao clique de rarefação, o C a soma de A+B que cancela o MC e salienta o PA, e o D a subtração de A-B que cancela o PA e salienta o MC. A latência do PA é de 1,42 ms.

1) Microfonismo coclear (MC): consiste em uma atividade elétrica gerada na despolarização das células ciliadas externas e internas, é pré-sináptico, ocorre no exato instante em que o som chega à cóclea (não tem latência) e imita o estímulo acústico em sua morfologia e apresenta a mesma polaridade que este.

Para ser detectado é necessário que se use estímulos em fase de acústica de compressão (positiva sob ponto de vista elétrico), de rarefação (negativa) de forma separada, pois quando os estímulos são apresentados de forma alternada (como foi a rotina até recentemente) o MC é cancelado pelo fato de ter polaridade igual a do estímulo. Assim cada estímulo de compressão, que gera uma resposta positiva, é cancelado na somação total das respostas, pela resposta negativa gerada no estímulo seguinte.

Quando se estimula com polaridade positiva a resposta obtida em indivíduos normais é uma mistura do MC positivo com o potencial de ação composto (PA) negativo e quando se estimula com polaridade negativa o MC e o PA são ambos negativos. Isso se deve ao fato do MC ter a mesma polaridade que o estímulo e o PA ter sempre a polaridade negativa independentemente da polaridade do estímulo.

Para separarmos o MC de PA, devemos somar ou subtrair a resposta obtida com estímulos positivos com aquela obtida com negativos. A adição destas respostas vai cancelar o microfonismo coclear (de polaridade didiferente) e salientar o PA (com mesma polaridade) e a subtração tem um resultado que saliente o MC e cancela o PA (Figuras 1 e 2).

O MC, por não se tratar de uma atividade neural, não muda de latência conforme a intensidade do estímulo e não diminui a amplitude com o aumento na taxa de apresentação dos estímulos. O MC é mais bem identificado com a ECoG, mas pode ser também obtido durante a pesquisa do PEATE desde que se empreguem técnicas de estímulo de análise como as descritas acima.
2) Potencial de somação (PS): consiste em uma atividade elétrica gerada na despolarização das células ciliadas externas e internas, é pré-sináptico, ocorre no exato instante em que o som chega à cóclea (não tem latência) e consiste em um potencial de corrente contínua (DC = direct current) ao contrário do MC, que é de corrente alternada (AC = alternate current). O potencial de somação ocorre em função da não linearidade do processo de transdução (modificação da energia acústica em energia elétrica pelas células ciliadas que se movimentam em amplitude maior do que a esperada pelo simples deslocamento da membrana basilar e tectorial postas em movimento pelas ondas sonoras de compressão e rarefação) e tem a mesma polaridade, quer o estímulo acústico gere um MC positivo ou negativo.

Para ser de uma amplitude relativamente pequena sua presença em resposta a estímulos de fase única (de compressão ou de rarefação) fica totalmente impossível de ser identificada, pois aparece de forma concomitante com o MC, de amplitude muito maior.

O PS tem a polaridade negativa, raramente positiva, independentemente da fase do estímulo e para ser corretamente identificado deve ser obtido em respostas a estímulos alternados (um estímulo de compressão seguido de outro de rarefação sucessivamente) ou a somação “off line” de um número igual de respostas a estímulos de compressão e rarefação de mesma intensidade. Estes dois processos resultam na identificação do potencial de somação que aparece em conjunto com PA.

Para diminuir PA e salientar o PS pode-se utilizar a comparação de respostas obtidas com uma baixa taxa de apresentação dos estímulos, 13 pulsos por segundo (pps) com as obtidas em uma taxa bem maior (100 pps, por exemplo). Por tratar-se de um potencial pré-sináptico, o PS não muda de amplitude, enquanto que o PA, de origem neural e pós-sináptica, diminui acentuadamente em sua amplitude em decorrência do mecanismo de adaptação. O PS só pode ser observado com a ECoG, pois é de uma amplitude muito pequena para ser observado na pesquisa do PEATE.

Figura 2 – PEATE em resposta ao clique de 80 dBNA em um indivíduo com audição normal: o traço A corresponde a resposta ao clique de compressão, o B ao clique de rarefação, o C a soma de A+B que cancela o MC e salienta as ondas I (PA), III e V, e o D a subtração de A-B que cancela as ondas I (PA), III e V e salienta o MC. A latência da onda I é de 1,32 ms, da onda III 3, 42 ms e da onda V 5,31 ms.

) Potencial de ação composto do nervo coclear (onda I): o PA é resultante da ativação síncrona de um grande número de fibras nervosas do nevo coclear em resposta ao início do estímulo acústico. Ocorre no instante que as fibras nervosas são ativadas. É sempre negativo e tem latência (tempo transcorrido entre a chegada do estímulo acústico à cóclea e o seu pico de atividade) que depende o espectro acústico estímulo. Estímulos mais agudos, como o clique, produzem respostas com latência menor que aquelas obtidas com tone bursts de 2.000 ou 1.000 Hz na mesma intensidade de estimulação. Isso ocorre porque as respostas aos sons agudos são geradas em áreas mais basais da membrana basilar da cóclea, a uma distância menor, relativamente aos sons mais graves, da janela oval. Desta forma, tempo gasto pela onda de energia acústica que transita pela cóclea até chegar ao local da cóclea responsável pela recepção dos sons graves é maior relativamente aos sons agudos, fazendo com que o pico de atividade elétrica demore mais tempo (latência maior) para ser atingido (Figura 3).

A atividade neural gerada na cóclea é conhecida pelo nome de PA a partir de sua obtenção através da ECoG com sua montagem de eletrodos apropriada. Esta mesma atividade é denominada de onda I ou pico I quando obtida através da montagem de eletrodos apropriada para o PEATE.

Na ECoG a atividade elétrica obtida aparece como um pico negativo (apontando para baixo) porque o eletrodo ativo está colocado na membrana timpânica e o de referência na mastóide contralateral.

No PEATE esta mesma atividade elétrica aparece como um pico positivo (apontando para cima) porque o eletrodo ativo está na parte alta da testa e o eletrodo de referência na mastóide ipsilateral.

O PA da ECoG costuma ser obtido com amplitude (da ordem de microvolts) maior do que a onda I do PEATE (da ordem de nanovolts) pela maior proximidade do eletrodo ativo da fonte geradora da atividade elétrica.
Esta maior amplitude permite que sejam feitos estudos do PS.

A ECoG também permite que se determine, em alguns casos, a latência da atividade bioelétrica gerada no nervo coclear, quando esta não aparece na avaliação pelo PEATE, o que impede a determinação dos intervalos I-V e I-III (PEATE com ondas III e V ou com apenas a onda V).
4) Onda III: esta onda ocorre em média, 2.00 ms após a onda I e é gerada pela ativação elétrica do núcleo coclear.
5) Onda V: esta onda ocorre em média, 2.00 ms após a onda III e é gerada pela ativação elétrica do núcleo do lemnisco lateral.
6) Vale após a onda V: esta onda ocorre após a onda V e é gerada pela ativação elétrica do colículo inferior.

Figura 3 – ECoG e PEATE obtidos simultaneamente em resposta ao clique de 80 dBNA em um indivíduo normal: O PA (A) tem amplitude muito maior que a onda I (B) do PEATE e tem a polaridade negativa. A onda I do PEATE e o PA da ECoG têm origem no nervo coclear e por isso apresentam a mesma latência de 1,53 ms. A diferença na polaridade é decorrente do posicionamento dos eletrodos. A diferença de amplitude deve-se ao uso do eletrodo timpânico como eletrodo ativo na ECoG, posicionado mais próximo da fonte geradora da atividade elétrica do nervo coclear que o ativo do PEATE posicionado no vertex. Esta maior amplitude do PA permite que seja analisada a amplitude do PS e a relação PS/PA, que neste caso é de 17%.

ECoG nomal

Observa-se o PA com latência ao redor de 1,50 ms em resposta ao clique de 80 dBNA e com latência ao redor 4,00 ms em resposta ao clique 10 dBNA. As respostas aos tone bursts ocorrem com latências maiores na medida em que são freqüências mais graves. O PS, quando visível, não deve exceder 35% da amplitude do PA.

PEATE normal

Observam-se a presença das ondas I, III e V com latências médias de I,50, 3,50 e 5,50 ms, respectivamente. O intervalo entre elas é de 2,0 ms para I-III e II-V e de 4,0 ms para o I-V. Os valores máximos admitido para os indivíduos normais e com perdas auditivas sensoriais é de 2,4 para I-III e I-V e de 4,5 ms para o I-V. A diferença entre as ondas V de um lado e outro intervalo V-V é de, no máximo, 0,2 ms. Estes valores se referem a indivíduos com dois anos de idade ou mais, em resposta ao clique de 80 BNA. A latência no limiar fica ao redor de 8.00 ms em reposta ao clique de 10 ms.

Figura 4 – Mostra a variação do PEATE em função da intensidade do clique em um indivíduo normal. Observa-se que a ondas I e a III vão ficando menos definidas à medida que diminui a intensidade do estímulo. Em 20 dBNA só é possível detectar a onda I. As ondas também aumentam de latência conforme diminui a intensidade do estímulo, sendo que a diferença entre a latência em resposta o clique de 80 dBNA e latência da resposta obtida no limiar costuma ficar entre 2,00 e 2,50 ms. Neste caso a latência em 80 dBNA é de 5,41 ms e em 20 dBNA de 7,72 ms, com uma diferença entre as duas e 2,31 ms.

Figura 5 – PEATE obtido em uma criança com uma perda auditiva sensorial de grau moderado, bilateral. Observa-se que as latências das ondas I, III e V e os intervalos I-III, III-V e I-V, assim como a diferença de latência entre as ondas V de um lado e outro, em resposta ao clique de 80 dBNA, estão dentro da normalidade (primeiro traçado e segundo traçados da figura da esquerda). As ondas I, III e V têm latência de 1,35, 3,38 e 5,38 ms, respectivamente, no lado direito e 1,30 ms, 3,30 ms e 5,0 ms no esquerdo. O limiar elevado (65 dBNA), que se observa em ambos os lados, tem menor que a do indivíduo normal 6,30 ms (Normal em 8,00 ms) e caracteriza a presença de perda auditiva de grau moderado. A diminuição abrupta da amplitude a onda V e a pequena variação da latência em função da intensidade são as características principais de perda auditiva sensorial com recrutamento.

Material e método

Os exames apresentados neste artigo foram todos realizados em pacientes ou voluntários na Clinica Cóser de Otorrinolaringologia, em Santa Maria, RS, de janeiro de 2007 a maio de 2008.
Foram usados os seguintes parâmetros: Filtros – 100 a 3000 Hz, Fundo de escala 100 µvolts, filtro de 60 Hz ligado, janela de 10 ms, limite de ruído de 90%, estímulos acústicos: clique de 100 µs de duração, tone Burst de 2000 Hz com 5 ou 3 ciclos, tone burst de 1.000 Hz com 3s ciclos, ambos com envelope Blackmann, taxa de apresentação dos estímulos 17,4 pps na avaliação qualitativa (mudando para 13 pps quando os picos não estavam bem definidos) 33,1 pps na pesquisa de limiar, intensidade calibrada em dBNA (nível em NPS menos 30 dB no caso do clique), transdutor fone de inserção Ear Tone, equipamento ATC Plus CONTRONIC concebido e produzido em Pelotas – RS.

Previsão de limiares em crianças suspeitas de perda auditiva

É neste campo que o PEATE é insubstituível(4,5). Através dele podemos determinar se as orelhas médias, as orelhas internas, os nervos auditivos e as vias auditivas do tronco encefálico estão com sua integridade funcional preservada ou não(6).

Figura 6 – PEATE obtido em uma criança com uma perda auditiva sensorial de grau severo, bilateral. Observa-se ausência de respostas ao clique de 100 dBNA em ambos os lados (traçados D e E). O estímulo com tone burst de 1.000 Hz, na orelha direita, teve como resposta uma onda V bem definida com limiar em 70 dBNA. Observa-se que a latência varia muito pouco entre a resposta de 80 dBNA (7,02 ms) e a do limiar em 70 dBNA (7,45ms) e que a amplitude diminui de forma abrupta. Este padrão de variação da amplitude e latência em função da intensidade é característico das perdas sensoriais, recrutantes. Deve-se chamar a atenção para o fato de que se o exame fosse realizado apenas com clique não teríamos a riqueza de informações que foram agregadas ao exame com o emprego do tone burst.

Figura 7 – Perda auditiva neurossensorial unilateral. O PEATE mostra as ondas I, III e V do lado esquerdo com latências de 1,55 ms, 3,65 ms e 5,35 ms e apenas as ondas III e V do direito, com latências de 3,79 ms e 5,38 ms. O intervalo I-V não pode ser determinado no lado suspeito de ter patologia retrococlear, pela ausência da onda I, mas o intervalo V-V, de apenas 0,03 ms, caracteriza como coclear a perda auditiva deste lado.

Quando a integridade funcional dos nervos e vias auditivas está preservada é possível estabelecer com precisão clinicamente significativa os limiares auditivos nas freqüências médias e agudas de indivíduos normais, com perda auditiva de transmissão, sensorial e mista (Figuras 4, 5 e 6).
Naqueles raros casos em que os nervos auditivos e a vias auditivas do tronco encefálico não estão com esta integridade funcional não é possível estabelecer a previsão dos limiares auditivos.
Os valores de latência das ondas I, III e V quando presentes, apenas das ondas III e V ou, ainda, apenas da onda V quando presente de forma isolada e seu nível mínimo de resposta ao clique e aos tone bursts permite caracterizar o tipo e o grau de perda auditiva.
Os valores das interlatências I-III, III-V, I-V e V-V, quando aumentados, caracterizam as disfunções neurais os das áreas envolvidas o processo auditivo do tronco encefálico.
Mais recentemente, naqueles casos em que não se obtêm respostas ao clique, a pesquisa do MC pelo PEATE tem definido uma patologia ainda pouco conhecida, caracterizada pela presença de MC normal combinada com ausência de respostas no PEATE(7). Estes casos são designados pelo nome de neuropatia auditiva.

Figura 8 – Perda auditiva neurossensorial unilateral. No lado esquerdo as ondas I, III e V apresentam latências de 1,68 ms, 3,90 ms e 5,90 ms em resposta ao clique de 80 BNA. Apenas a onda V pode ser observada no lado direito com latência de 6,80 ms em resposta ao clique de 100 BNA. O intervalo I-V do lado direito não pode ser determinado pela ausência da onda I. A diferença de latência entre as ondas V é de 0,90 ms. Como o limiar tonal em 4.000 Hz da orelha direita é de 85 dBNA o intervalo V-V poderia ser aceito como no máximo 0,55 ms para ser considerado como decorrente de uma perda auditiva sensorial. A nossa experiência tem demonstrado que a partir de 70 dBNA de perda auditiva o fator de correção não tem a mesma precisão. Nestes casos recorremos a ECoG para determinar o valor do PA e assim calcularmos o valor do intervalo I-V. O PA mostrou um latência de 2,85 ms em resposta ao clique de 100 dBNA e o intervalo PA-V foi determinado em 3,95 ms (normal até 4,50 ms). Dessa forma a combinação da ECoG com o PEATE foi decisiva em caracterizar a perda auditiva como coclear e não retrococlear como indicava o intervalo V-V.

Diagnóstico neuroaudiológico

Nas perdas auditivas neurossensoriais unilaterais ou assimétricas é que temos a principal indicação do exame do PEATE, em alguns casos em conjunto com a ECoG(8,9).
O diagnóstico diferencial entre patologia coclear e retrococlear é insuperável por qualquer outro método de avaliação auditiva (Figuras 7, 8 e 9).
A ECoG é muito útil na confirmação de hisia endolinfática pela ECoG, lembrando, porém, que sua normalidade não exclui esta condição patológica.
O PEATE é útil também no diagnóstico da simulação de perda auditiva, na surdez psicogênica, na monitorização da integridade do nervo auditivo e do tronco encefálico em cirurgias de fossa posterior, naquelas realizadas sob hipotermia e na graduação da profundidade do coma.

Figura 9 – Zumbido do lado esquerdo e audiometria normal. As ondas I,III e V no lado direito apresentam latências de 1,35 ms, 3,40 ms e 5,30 ms no lado esquerdo apenas as ondas I e V foram detectadas com latência de 1,42 e 6,40 ms, respectivamente. O diagnóstico de patologia retrococlear no lado esquerdo fica caracterizado pelo intervalo I-V de 4,98 ms (normal até 4,50 ms) e pelo intervalo V-V de 1,10 ms (normal até 0,2 ms). Este caso mostra que achados francamente patológicos podem ser detectados pelo PEATE em indivíduos com avaliação audiológica convencional normal.

Bibliografia
Butugan O. O eletrococleograma na doença de Ménière. Tese de Livre Docência, USP, 1972.
2. Pialarissi PR. – Potenciais Evocados do Tronco Cerebral – Estudo Em Sujeitos de Audição Normal. 1977. Dissertação de Mestrado – PUCSP. Orientador: Orozimbo Alves Costa Filho.
3. Coser PL, Menon AD. Electrophysiological study of auditory pathways and the vestibular system in tumor pathology of the 8th cranial nerve and of the cerebellopontile angle. Revue de laryngologie – otologie – rhinologie 1981 102:239-44.
4. Coser PL, Vilanova LC. Rubéola Materno-Fetal: Avaliação da Perda Auditiva por Audiometria de Tronco Cerebral. Rev Bras Otorrinolaringol 1996 62:366-74.
5. Sininger YS. The use of auditory brainstem response in screening for hearing loss and threshold prediction. In: Burkard RF, Don M, Eggermont JJ. Auditory Evoked Potentials Baltimore: Lippincot Williams&Wilkins, 254:74, 2007.
6. Sousa LCA, Piza MRT, Coser PL. Eletrofisiologia. In: Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA, eds. Otorrinolaringologia – Princípios e Prática 2ª ed., Porto Alegre: Artmed, 2006.
7. Gibson WP, Sanli H. Auditory neuropathy: an . Ear Hear 2007 28(2 Suppl):102S-6S.
8. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa RE. The auditory bainstem resposnse in auditory nerve and barinstem disfunction. In: Burkard RF, Don M, Eggermont JJ. Auditory Evoked Potentials Baltimore: Lippincot Williams&Wilkins, 291:312,2007.
9. Conlon BJ, Gibson WP. Electrocochleography in the diagnosis of Meniere’s disease Acta Otolaryngol 2000 120(4):480-3.

Copyright

Para aqueles que desejarem utilizar as imagens, solicitamos que entrem em contato conosco pelo e-mail:
cursos@clinicacoser.com

Agradecemos se puderem mencionar a fonte:
Pedro Luis Cóser, Janeiro de 2011